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Gagueira e assédio moral


Silvia Friedman

Para colaborar com o Dia Internacional de Atenção à Gagueira-DIAG, o NEPFF- Núcleo de Estudos e Pesquisas em Fluência de Fala, ligado à PUC-SP e ao Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica-CEFAC, desenvolveu em 2009 a seguinte campanha: Você sabia que rir da gagueira pode ser assédio moral?

Assédio moral se refere ao uso de palavras, gestos, alusões ou não ditos, aparentemente inofensivos, que têm poder de desequilibrar ou até destruir uma pessoa. Essas situações ocorrem sem que aqueles que as presenciem nelas intervenham, de tal forma que o agressor pode enaltecer-se por rebaixar os demais e ainda fazer recair sobre o rebaixado a responsabilidade do que sucede (para saber mais, leia: Assédio Moral – a violência no cotidiano, de HIRIGOYEN, M.F, Ed. Bertrand Brasil, 2008).

Assim, assédio moral é uma forma de comunicação que humilha uma pessoa e a transforma em vítima.

No contexto da fala, isso ocorre com frequência no caso das disfluências, que, como todos sabem, facilmente evocam risos, imitações, apelidos e outras chacotas. Mas, infelizmente, muitas pessoas ignoram como e por que essas ações corriqueiras e socialmente aceitas podem machucar interiormente aquele que disfluiu, além de influenciar na constituição e manutenção de uma fala com gagueira.

Também a fala infantil que apresenta disfluências, não raramente, evoca de pais, professores e adultos em geral as solicitações: “calma, pensa, respira, fala devagar” ou, ainda, o pedido para que a criança fale novamente, sem disfluir, sem que haja qualquer suspeita de que isso poderia, de algum modo, prejudicá-la.

Tanto as chacotas quanto esse tipo de solicitação podem prejudicar aqueles a quem se dirigem, pelo fato de constituírem uma rejeição de fala. A rejeição se constitui porque essas reações não reconhecem o discurso como linguagem, pelo seu sentido, mas o reconhecem pela forma. É a forma que está sendo rejeitada, desprezada, ridicularizada.

Estamos diante de uma ideologia de senso comum que vê a fluência como absoluta e como circunscrita ao falante e sustenta a interpretação da disfluência como sendo gagueira.

Esses aspectos não ditos, mas subentendidos nas chacotas e solicitações funcionam como repetidos e dolorosos “arranhões” na imagem de falante de crianças e adultos. Mas, no contexto social, até o momento, isso parece não se mostrar suficientemente grave para merecer que se fale a respeito.

Provavelmente por esse motivo, diante de brincadeiras e comentários que rejeitam as disfluências, os assediados se mostram tolerantes e agem como se levassem tudo na brincadeira. Mas é uma tolerância que incomoda, agride, fere e leva à formação de uma atitude defensiva que favorece novos assédios.

Considerando essa situação especificamente do ponto de vista da criança, ao perceber continuamente que sua fala não é aceita, interioriza uma imagem negativa de si como falante e a aceita como se a merecesse. Isso abala sua necessária confiança na capacidade de falar e gera sofrimento.

É a partir dessa falta de confiança que se constitui o conhecido quadro da gagueira. Um quadro marcado pelo medo que o falante adquire de disfluir, em virtude das reações sociais, e pela consequência disso: a tentativa de evitar o aparecimento das disfluências, para poder permitir-se continuar falando sem decepcionar e envergonhar os outros.

A gagueira pode assim ser entendida como subproduto de um tipo de assédio moral que, frequentemente, é totalmente involuntário, na medida em que, de fato, é motivado pela intenção de ajudar a criança que disflui a não disfluir. Isso aponta para a necessidade de aumentar a compreensão, no meio social, sobre modos saudáveis de lidar com a disfluência. Afinal, trata-se de um acontecimento natural à fala tanto infantil quanto adulta, ligada a momentos em que o falante não elaborou inteiramente o que tinha a dizer.

Para não se tornar vítima do assédio sobre a forma da fala, o falante não deve se ver como responsável pelas brincadeiras ou comentários dos outros, nem se sentir culpado por disfluir ou gaguejar. Uma fala sem rupturas é apenas um mito da sociedade.

Se você é pai e/ou professor, atenção para estas orientações:
• respeitem a criança em sua forma de falar;
• evitem valorar negativamente a disfluência;
• reconheçam e afastem pessoas que direta ou indiretamente assediam a forma de fala de uma criança;
• conversem com as crianças mostrando-lhes que dificuldades ao falar estão ligadas a seus estados emocionais como ansiedade, vergonha, medo.