Se nos atrapalhamos num ato automático como andar, porque não podemos errar ao fazer elaborados movimentos para falar?
Normal, principalmente até os 4 anos, a repetição de palavras não deve ser reprimida, sob o risco de perdurar o resto da vida.
A gagueira não é uma doença, nem um defeito de fala. A dificuldade de falar é normal nas crianças, mas pode se tornar um problema quando a expectativa dos pais para que se expressem corretamente se mostra muito grande. Exigir essa performance dos 2 aos 4 anos é precipitado e pouco justo com suas capacidades.
A gagueira pode ser dividida em dois tipos: a natural e a sofrimento. A gagueira natural nada mais é do que aquele tropeço que as crianças e mesmo os adultos dão de vez em quando ao falar. Isso acontece basicamente por três motivos. Primeiro porque para falar passamos por um processo de organização do pensamento. Como as crianças pequenas ainda estão desenvolvendo a linguagem e tem pouco vocabulário, repetem palavras e pedaços de frases enquanto elaboram o que vão dizer. Esse processo acontece também na vida adulta, quando não encontramos as palavras adequadas.
Outra causa está na motricidade. Os movimentos que fazemos para falar são os mais finos e elaborados. As duas cordas vocais vibram, o céu da boca sobe e desce, a língua que é o músculo de maior mobilidade do corpo, se modifica em largura, altura e comprimento, a bochecha e os lábios também se movimentam. Se, ao andar, que implica em movimentos bem mais grosseiros, tropeçamos, porque não faríamos o mesmo falando?
O terceiro e principal causador da gagueira natural é a tensão emocional, que afeta a organização do pensamento e a motricidade. Quando sentimos raiva, os músculos se contraem, ao passo que, se estamos felizes eles se expandem. Em estados de ansiedade ou intimidamento, o domínio sobre a atividade muscular diminui e a gagueira aparece facilmente. Tudo isso é mais freqüente nas crianças porque sua linguagem ainda está em desenvolvimento e manifestam mais emoções.
Os adultos geralmente vêem a gagueira como problema e a reprimem. É aí que está o perigo dela virar gagueira sofrimento. Sem ajuda especializada, o problema pode perdurar a ta a idade adulta.
Assim como a linguagem, a personalidade da criança está em formação. Sua auto imagem vai se compondo a partir de informações e de vivências do meio. Se a família demonstrar que sua gagueira é indesejável, ela terá uma auto imagem de mau falante. Então, para se sentir aceita, poderá tentar falar bem. Mas o empenho não funciona, porque se trata de uma atividade mecanicamente espontânea. Quanto mais alguém se esforça, mais gagueja. Esse estado se chama gagueira sofrimento e aos 4 anos já pode ter se instalado devido à formação de uma auto imagem negativa.
A gagueira é um jogo entre o psicológico (individual) e o social. O gago aprendeu que as pessoas acham feia a sua fala. É por isso que não gagueja quando está sozinho. Todo gago tem situações em que é fluente, como ao cantar- caso de Nelson Gonçalves. O apoio da melodia da letra pronta elimina a preocupação com a necessidade de falar. Outros gagos se desinibem ao telefone ou, quando atores, se expressam com desenvoltura em cena, porque assumem a fala correta do personagem.
A cura da gagueira sofrimento está relacionada com o fim da auto imagem de mau falante. Tratar é fazer a pessoa entender a gagueira. Uma das maneiras é levá-la a conhecer os movimentos da fala, as situações em que gagueja e como faz isso, onde prende o ar e faz força desnecessária. Além disso, é imprescindível descobrir como consegue falar fluentemente, pois ele tem de vivenciar essa experiência para resgatar a confiança.
Quando o tratamento se faz com a criança, o que é ideal, os pais também participam. O primeiro passo é modificar a visão que eles têm da gagueira. Para vencê-la a criança precisa poder gaguejar. Um dos erros mais comuns dos pais é pedir para o filho ter calma, porque ele presta atenção nos seus tropeços, tenta evitá-los e erra mais. Ajuda muito demonstrar interesse pelo que está sendo dito e no fim certificá-lo de que foi compreendido.
Outras atitudes ainda podem deixar o gago, adulto ou criança, mais à vontade. Uma é mostrar-se receptivo. Mesmo que a pessoa demore para concluir um raciocínio, nunca se deve adivinhar o que ele vai dizer.
O apresentador de TV Silvio Santos é um caso típico de gagueira natural. Ele costuma repetir as palavras que iniciam as frases, como”mas”, “mas”, “ você”, “você”. Essa peculiaridade tornou-se sua marca.
Aceitar a gagueira como procedimento natural é melhor forma de colaborar para seu fim.